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Piraquara é um município da Região Metropolitana de Curitiba que tem quase todo o território ocupado por mananciais ou áreas de preservação ambiental. As restrições criam obstáculos econômicos: a cidade abriga cerca de 1% da população do Paraná, mas responde por apenas 0,13% do valor adicionado na indústria paranaense, muito abaixo da média dos municípios vizinhos. Mesmo com essas limitações, Piraquara conseguiu ampliar o número de empregados formais na última década. O caminho trilhado foi o de incentivo ao empreendedorismo.
Um estudo divulgado pelo Sebrae em abril de 2023 defende que o crescimento econômico do Brasil está atrelado ao sucesso das microempresas, que criam mais postos de trabalho e “destroem” menos vagas que as empresas maiores.
Para identificar os locais em que o fomento ao empreendedorismo gerou mais empregos entre 2011 e 2021, a Gazeta do Povo fez um levantamento exclusivo de dados na Relação Anual de Informações Sociais (Rais) das cinco grandes regiões do país. Foi feito um ranking com base nas vagas com carteira assinada em microempresas – estabelecimentos de comércio ou serviços com até nove empregados ou indústrias de até 19 funcionários. As boas práticas adotadas nesses locais são retratadas na série “Onde empreender tem vez”, publicada ao longo desta semana.
Dentre os municípios da Região Sul, tema desta segunda reportagem da série, Piraquara foi o sétimo que mais ampliou vagas de emprego nas microempresas. Em 2011, havia 1.474 empregados formais em estabelecimentos desse porte. Em dez anos, o número cresceu 35%, para 1.994.
Segundo Weliton Perdomo, gerente da Regional Leste do Sebrae/PR, a cidade de 116 mil habitantes se destaca por ter duas Salas do Empreendedor, escritórios que dão orientações e auxiliam nos trâmites legais de micro e pequenas empresas. “Alguns municípios de porte bem maior contam apenas com um ponto. O fato de ter espaço físico de atendimento estimula a formalização, além de prestar auxílio, pois mesmo quem abre CNPJ e não cumpre as obrigações não é empreendedor de fato”, observa.
A Sala do Empreendedor é um projeto do Sebrae com alcance em todo o Brasil, mas depende da iniciativa da prefeitura local dispor de local de atendimento e ceder servidores para treinamento e atendimento.
Perdomo destaca que desde que entrou em vigor, em 2006, a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (LGMP) prevê vários mecanismos para fomentar negócios desse porte, mas que o modo e intensidade em que isso é feito depende das ações locais.
“Sabemos que a porta de entrada para empreender é ser MEI [microempreendedor individual]. No Brasil, a média é de 55% MEIs dentre todos os CNPJs. Em Piraquara, esse número é de 66%”, diz. “A pessoa que procura uma Sala chega com a necessidade de empreender e sai com curso de capacitação, formação e informações. Todo esse suporte é do Sebrae, mas depende como o município vê a questão de desenvolvimento. A parceria com o Sebrae depende muito do gestor público”, explica.
Perdomo destaca ainda as regras sobre poder de compra local, também previsto na LGPM, que busca favorecer as pequenas empresas nas licitações. “A maior empresa de pequenos municípios costuma ser a prefeitura, a que tem mais capacidade de contratar e comprar. É preciso estimular que empresários locais se formalizem para atender às necessidades de compras e prestação de serviços e disponibilizar um escritório de compras locais para preparar para licitação. Desse modo, os recursos do município ficam na cidade”, diz o gerente do Sebrae.
Muitas vezes, o município não depende só de si para criar um ambiente favorável: cidades vizinhas entram na disputa por investimentos concedendo reduções nas alíquotas do Imposto sobre Serviço (ISS), por exemplo. Mesmo assim, há caminhos para fortalecer vocações naturais e fomentar a economia local, avalia Perdomo.
A cooperativa Trentina, de Piraquara, nasceu e se expandiu justamente a partir das restrições territoriais da cidade. Por causa da construção da barragem de água Piraquara 2, inaugurada em 2008, muitos terrenos foram alagados. Como contrapartida, a companhia de saneamento Sanepar instalou uma agroindústria na zona rural, que foi repassada em 2011 à Cooperativa de Processamento Alimentar e Agricultura Familiar Solidária de Piraquara – Copasol Trentina.
Hoje 130 cooperados fazem preparos alimentícios como geleias e focam na produção de leite e bebidas lácteas vendidas para merenda escolar. A usina de leite tem cinco funcionários, e outros três trabalham no escritório. Entre eles está Thamyris Piaceski, 35 anos, assistente administrativa. “Faz cinco anos que estou aqui, fiquei parada por uns três anos antes de começar na cooperativa, mas agora estou me formando em Gestão de Recursos Humanos, que engloba Gestão de Projetos, e quero continuar crescendo junto com a cooperativa”, conta.
Um dos cooperados que fornece leite para a Trentina é Cesar Setti, 58 anos, que tem uma chácara em Piraquara. O caminho empreendedor trilhado por ele foi motivado pelo afeto. Para recriar o queijo feito pela mãe décadas atrás em Pato Branco, no Sudoeste do estado, Setti buscou memórias de família, capacitação e certificação para fazer um produto artesanal.
O queijo Vó Vidinha é feito em pequena escala, nos intervalos dos compromissos profissionais de Setti, que é jornalista e apresentador. Mas a produção já é reconhecida: consta da Rota do Queijo Paranaense, estruturada pelo Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR) com base em queijarias regularizadas por sistema de inspeção sanitária.
A Rota do Queijo faz parte de um projeto de incentivo ao turismo rural feito pelo IDR-PR, outra opção de empreendedorismo para pequenos municípios. Setti conta que além disso, a Agroindústria Vó Vidinha tem sido indicada pela Agência de Desenvolvimento Agropecuário (Adapar) como modelo de implantação, projeto e boas práticas na produção do leite e agregação de valor ao produto.
“Quando aprecio ou inspeciono um queijo colonial Vó Vidinha, sinto a sensação e o mesmo sabor do queijo artesanal que era elaborado por ela em minha infância, em Pato Branco. O processo e cuidados continuam em Piraquara, agora à disposição dos apreciadores do verdadeiro sabor do leite”, conta ele.
Também na Região Metropolitana de Curitiba, mas ao sul da capital, está outro município com crescimento acelerado no emprego em pequenas empresas: Fazenda Rio Grande, com 103,7 mil habitantes.
O número de vínculos nos estabelecimentos de pequeno porte subiu 43% em dez anos, de 2.849 para 4.063. O município se valeu principalmente do acesso logístico e da área territorial propícia para instalação de empresas, que já não encontram espaço físico disponível na capital. Fazenda Rio Grande corresponde a 0,9% da população paranaense e a 0,6% do valor adicionado na indústria do esado.
Onde o emprego mais cresceu em microempresas no Sul entre 2011 e 2021 (fonte: Rais/MTE e IBGE):
Os municípios da Região Sul com maior crescimento no nível de emprego nas pequenas empresas estão em Santa Catarina e se concentram na região litorânea. No topo do ranking está Itapema, onde o número de empregos formais de pequenos estabelecimentos passou de 4.783 em 2011 para 7.355 em 2021, um salto de 54%.
O crescimento econômico do litoral norte de Santa Catarina foi puxado pelas maiores cidades da região, Florianópolis e Balneário Camboriú, que, sem espaço territorial para crescer, acabaram estimulando empreendimentos nas cidades próximas.
Em Itapema, entretanto, há projetos para que o desenvolvimento ocorra de forma mais ordenada e sustentada, afirma o presidente da Associação Empresarial de Itapema e Porto Belo (Acita), Estevão Guerreiro.
“A cidade começou num crescimento movido por Balneário, mas ao longo dos anos houve o entendimento e a articulação da sociedade civil para fugirmos da sazonalidade. Hoje há predomínio de investidores e pessoa querendo morar aqui, usufruir da qualidade de vida” , diz.
Itapema manteve o perfil de prédios baixos ao longo da orla, mas permitiu grandes edifícios nas quadras internas. A construção civil virou motor da economia local. “Mas Itapema aprendeu com os erros de vizinhos e as áreas da cidade que estão crescendo são muito oportunas”, conta Guerreiro.
Segundo ele, a normativa sobre potencial construtivo, que permite às construtoras investirem mais com o respectivo pagamento a um fundo de infraestrutura local, tem sido usado para dar conta de projetos estruturantes. “Isso traz um grande número de profissionais liberais, contadores, corretores, médicos e dentistas para a cidade, todos prontos para prestar serviço, para consumir”, observa.
Para dar sustentabilidade aos negócios abertos de olho no crescimento da cidade, a associação comercial tem feito parcerias e lançado cursos de formação.
“Esse é o maior desafio que vivemos em todas as cidades do Brasil no setor empresarial. Nos anos 80, a grande maioria, talvez 90% das pessoas, respondia a um patrão. Hoje existe o anseio por empreender. Enquanto associação comercial fazemos jornada do empreendedor, com vários temas como contabilidade, gestão jurídica, financeira, de pessoas, liderança, marketing e branding, já que tudo isso faz parte do cotidiano do empresário e não se pode abdicar de qualquer um desses temas”, avalia.
Esta é a segunda reportagem da série “Onde empreender tem vez“, que mostra as boas práticas dos municípios onde o emprego em microempresas mais cresceu na última década.
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